Especial Harry Potter - Parte 1
(Publicado originalmente em 2020 no site Vamos Falar de Cinema)
Harry Potter e a Pedra Filosofal
Após ter sido desacreditada por diversas editoras que se recusaram a publicar seu livro, a escritora britânica J.K. Rowling insistiu e seu romance foi aceito pela Bloomsbury, sendo publicado no dia 26 de junho de 1997 no Reino Unido e posteriormente saindo em outros lugares do mundo. Esse livro era, simplesmente, o primeiro capítulo da saga de Harry Potter. E hoje, 23 anos depois de seu lançamento e quase 20 anos do lançamento desse primeiro filme, é fascinante analisar o seu impacto na cultura popular que, tanto o material-fonte quanto essa adaptação, encabeçada por Chris Columbus, gerou no imaginário de fãs pelo mundo todo que veneram até hoje o mundo fantástico na qual foram apresentados de modo singelo através de uma introdução operante em diversos aspectos.
E, mesmo tendo empalidecido perante os capítulos posteriores e ao tempo, a apresentação desse mundo consegue preservar um fascínio inigualável e uma inocência doce e digna de um projeto de Chris Columbus, realizador que compreende perfeitamente os apelos infanto-juvenis do material e realiza uma direção simples, porém coberta de graciosidade e que impacta pela forma eficaz que centraliza em aventuras menos pesadas em seu tom e mais “descompromissadas”. Com isso, uma mera partida de quadribol ou uma gracinha de Harry (Daniel Radcliffe) ao prender o primo Dudley (Harry Melling) atrás de um vidro em um zoológico era mais relevante na narrativa do que o background sombrio da história por trás da morte de James e Lily Potter e o temor de Voldemort (ou você-sabe-quem) e seu possível retorno.
A Pedra Filosofal se torna interessante e mais impactante quando se analisa o crescimento da franquia de trás para frente, na qual vemos o que os personagens eram quando jovens e inocentes crianças que queriam apenas viver aventuras e o que se tornaram quando adolescentes maduros e beirando a vida adulta. A sabedoria levemente arrogante de Hermione Granger (Emma Watson), a persona retraída de Neville (Matthew Lewis), o ar amedrontado de Rony (Rupert Grint), a determinação de Harry e até a sutil vilania de Severo Snape (Alan Rickman), tudo acaba ganhando uma dimensão maior quando vistos em retrocesso. Coumbus acerta também em fascinar seu público na forma como revela os elementos e conceitos de seu universo, mitificando cada um deles através do impacto audiovisual: Harry empunhando a sua varinha pela primeira vez, a apresentação da plataforma 9 3/4, a chegada em Hogwarts, são momentos que o diretor usa bem o plano, a trilha e outros elementos de linguagem para criar momentos especiais e até memoráveis.
Mesmo com suas virtudes, Harry Potter e a Pedra Filosofal não se arrisca muito além de uma apresentação protocolar desse mundo. Sim, existe um fascínio ao encarar aquele mundo novo pela primeira vez, um deslumbre ao encaixarmos ele na jornada do protagonista, mas ele se resume mais a uma porta de entrada nessa aventura que renderia mais sete filmes e uma legião de fãs incondicionais. E, ainda que a direção de Columbus seja eficaz e necessária nesse capítulo, foi sábio deixar outros diretores darem uma visão diferenciada a esse mundo, algo que iniciou com o terceiro filme, na qual Alfonso Cuarón soube trabalhar as bases desse universo ao seu modo. Por melhor que seja o diretor de Home Alone (1990), ele não seria a escolha mais adequada para criar um tom sombrio crescente como fizeram seus colegas posteriores.
Harry Potter e a Câmera Secreta
Após ter sido desacreditada por diversas editoras que se recusaram a publicar seu livro, a escritora britânica J.K. Rowling insistiu e seu romance foi aceito pela Bloomsbury, sendo publicado no dia 26 de junho de 1997 no Reino Unido e posteriormente saindo em outros lugares do mundo. Esse livro era, simplesmente, o primeiro capítulo da saga de Harry Potter. E hoje, 23 anos depois de seu lançamento e quase 20 anos do lançamento desse primeiro filme, é fascinante analisar o seu impacto na cultura popular que, tanto o material-fonte quanto essa adaptação, encabeçada por Chris Columbus, gerou no imaginário de fãs pelo mundo todo que veneram até hoje o mundo fantástico na qual foram apresentados de modo singelo através de uma introdução operante em diversos aspectos.
E, mesmo tendo empalidecido perante os capítulos posteriores e ao tempo, a apresentação desse mundo consegue preservar um fascínio inigualável e uma inocência doce e digna de um projeto de Chris Columbus, realizador que compreende perfeitamente os apelos infanto-juvenis do material e realiza uma direção simples, porém coberta de graciosidade e que impacta pela forma eficaz que centraliza em aventuras menos pesadas em seu tom e mais “descompromissadas”. Com isso, uma mera partida de quadribol ou uma gracinha de Harry (Daniel Radcliffe) ao prender o primo Dudley (Harry Melling) atrás de um vidro em um zoológico era mais relevante na narrativa do que o background sombrio da história por trás da morte de James e Lily Potter e o temor de Voldemort (ou você-sabe-quem) e seu possível retorno.
A Pedra Filosofal se torna interessante e mais impactante quando se analisa o crescimento da franquia de trás para frente, na qual vemos o que os personagens eram quando jovens e inocentes crianças que queriam apenas viver aventuras e o que se tornaram quando adolescentes maduros e beirando a vida adulta. A sabedoria levemente arrogante de Hermione Granger (Emma Watson), a persona retraída de Neville (Matthew Lewis), o ar amedrontado de Rony (Rupert Grint), a determinação de Harry e até a sutil vilania de Severo Snape (Alan Rickman), tudo acaba ganhando uma dimensão maior quando vistos em retrocesso. Coumbus acerta também em fascinar seu público na forma como revela os elementos e conceitos de seu universo, mitificando cada um deles através do impacto audiovisual: Harry empunhando a sua varinha pela primeira vez, a apresentação da plataforma 9 3/4, a chegada em Hogwarts, são momentos que o diretor usa bem o plano, a trilha e outros elementos de linguagem para criar momentos especiais e até memoráveis.
Mesmo com suas virtudes, Harry Potter e a Pedra Filosofal não se arrisca muito além de uma apresentação protocolar desse mundo. Sim, existe um fascínio ao encarar aquele mundo novo pela primeira vez, um deslumbre ao encaixarmos ele na jornada do protagonista, mas ele se resume mais a uma porta de entrada nessa aventura que renderia mais sete filmes e uma legião de fãs incondicionais. E, ainda que a direção de Columbus seja eficaz e necessária nesse capítulo, foi sábio deixar outros diretores darem uma visão diferenciada a esse mundo, algo que iniciou com o terceiro filme, na qual Alfonso Cuarón soube trabalhar as bases desse universo ao seu modo. Por melhor que seja o diretor de Home Alone (1990), ele não seria a escolha mais adequada para criar um tom sombrio crescente como fizeram seus colegas posteriores.
Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban
Se os dois primeiros capítulos da franquia Harry Potter eram eficientes como aventuras fantasiosas, mas sofriam pela falta de um pulso mais autoral de seu diretor, Chris Columbus, isso já não é mais um demérito em O Prisioneiro de Azkaban: dirigido por Alfonso Cuarón (Gravidade, Filhos da Esperança), o cineasta soube impor um estilo característico que faz a obra ter uma personalidade autoral e explora com eficácia uma mistura balanceada de gêneros, explorando aspectos de ficção científica, aventura, terror, fantasia, drama e equilibrando tudo em uma progressão narrativa sempre estimulante e que amplia a mitologia do universo ao mesmo tempo na qual encontra um meio-termo entre o seu lado macabro e a inocência fantasiosa dos filmes antecessores.
Dessa vez, Cuarón explora um constante clima de paranoia e urgência que se assemelha ao feito por Columbus em A Câmara Secreta, mas que encontra contornos mais amadurecidos dentro de uma abordagem narrativa que explora bem o suspense da situação ao articular tal sensação com artifícios macabros que flertam com o terror de maneira curiosa. Nesse sentido, um exemplo interessante é a sequência dos Dementadores no trem e a construção expressiva da linguagem, onde Cuarón usa da — excelente — trilha, da decupagem do plano e do movimento delicado de aproximação da câmera para constituir uma atmosfera essencialmente assombrosa que vai muito além do design da criatura. O cineasta também faz desse capítulo o mais grandioso da franquia até esse ponto, decupando muitas cenas através de planos abertos que fazem mais do que incitar a mística daqueles ambientes, mas reforça sua magnitude tão fascinante.
Cuarón também se mostra competente ao articular os fundamentos dramáticos de seus personagens, em especial, o que envolve a relação Sirius Black (Gary Oldman) e Harry (Radcliffe): todo o suposto envolvimento com o assassinato dos pais do jovem bruxo acaba por fazer do encontro entre os dois saírem de um risco a vida do protagonista para um acerto de contas vingativo a partir do ponto que Harry descobre a relação entre Black e o trauma que circunda sua vida. Através desse ponto, todo o ato-final vira uma caixa de surpresas emocionalmente bem distribuídas pelo cineasta, que balanceia as revelações e descobertas dramáticas com suspense e leves traços de humor, trabalhando bem os diferentes gêneros presentes nesses segmentos.
E, ainda no ato-final da projeção, Cuarón insere Ficção Científica a mistura ao condensar a fantasia do universo da magia com o artifício de viagem no tempo: enquanto outros filmes usam esse elemento narrativo como mera desculpa para criar uma pose espertinha ou um saudosismo sem o peso que deveria, aqui em O Prisioneiro de Azkaban, o cineasta soube alicerçar o recurso do time-travel dentro de fundamentos dramáticos bem eficientes, jamais se preocupando apenas nas brincadeiras temporais, mas lembrando da urgência desse ato e ainda conseguindo brincar com as possibilidades do artifício. É a passagem mais autoral de toda a projeção, especialmente por ser mais explícito no tratamento dessa mistura de gêneros ao envolver fantasia, sci-fi, suspense e drama, alcançando um efeito bem estimulante como entretenimento.
Ainda que preso a um clima infanto-juvenil dos capítulos anteriores — o que não necessariamente se configura como um demérito da obra — Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban é o primeiro filme da franquia a se desvincular de uma abordagem mais tradicional da linguagem e explorar outras áreas da mitologia desse universo, compondo uma aventura que entretêm na mesma medida que assombra e prende o espectador com uma fusão eficaz de gênero, indo de pinceladas de terror aos desenvolvimentos dramáticos, chegando a explorar artifícios da ficção científica sem criar uma narrativa inchada em sua ambição ou perdida em suas ideias, mas que sabe explorar cada um dos potenciais que exibe em equilíbrio constante, proporcionando um capítulo ágil, jocoso e completo.
Harry Potter e o Cálice de Fogo
Ainda nos minutos iniciais de O Cálice de Fogo, há uma cena que define perfeitamente a abordagem de Newell para esse capítulo de Harry Potter: durante a apresentação de Cedric Diggory (Robert Pattinson), o diretor enfoca uma breve troca de olhares entre Hermione (Watson) e Ginny (Bonnie Wright) em um plano conjunto que dura alguns segundos, mas é suficientemente marcante e evidencia a construção dramática dessa quarta parte da saga do jovem bruxo. Diferente da inocência infanto-juvenil de A Pedra Filosofal, A Câmara Secreta e O Prisioneiro de Azkaban, essa parte da franquia lida com a inevitável chegada da puberdade e dos desejos adolescentes. Então, se antes, um olhar era encenado de modo ingenuo, aqui, o mesmo gesto é construído dentro dessa lógica jovial de interesse amoroso fortemente ativo durante essa parte da vida.
Nesse sentido, é justo dizer que O Cálice de Fogo lida bem com os gestos, desde o mais inocente até o mais “apaixonado”, por assim dizer, entre os adolescentes que acompanhamos. Um bom exemplo é tudo que envolve a dinâmica entre Rony (Rupert Grint) e Hermione, que, anteriormente, carregava pistas sutis e pouco identificáveis, mas que aqui ganha contornos cada vez mais explícitos, indo das manifestações de ciúmes que ambos evidenciam em seus comportamentos até detalhes mais discretos de seus comportamentos. Sem dúvidas, o momento-chave dessa tensão romântica é a sequência da Hermione no Baile, na qual Newell decupa de modo propositadamente adolescente, onde a mera e trivial aparição da jovem possui um impacto igualmente grande a outros eventos dramáticos da narrativa. E essa sensação transmitida é eficaz ao exibir que, para Harry (Radcliffe) e principalmente Rony, aquilo é algo impactante na fase em que estão passando.
Gestos menores e menos grandiosos possuem um impacto ainda maior, em níveis dramáticos. Um mero abraço de Harry e Hermione, que é encenado de modo fofo e fraternal no final de A Câmara Secreta, aqui é visto de modo ainda mais emocionalmente intenso, corrosivo, algo que reafirma as sensações da adolescência e seus grandiosismos, onde um mero olhar ou um gesticular que evidencie preocupação é algo supervalorizado enquanto passamos por essa fase; uma vergonha em frente aos colegas de classe, se antes incomodava, nesse período da vida, é quase o fim do mundo, como o diretor confirma na hilária sequência em que a professora McGonagall (Maggie Smith) demonstra modos de dançar no baile e pede auxilio de Rony em frente aos alunos. Toda essa abordagem opera até o ponto que Newell opta por uma quebra de tom que poderia destoar do compasso narrativo, mas acaba por intensificar os eventos vistos no ato-final.
Pois, é a partir do ato-final de O Cálice de Fogo que, as aventuras de Harry, Rony e Hermione que eram sempre inocentes e quase sempre aparentavam ser episódicas, começam a se tornarem dramaticamente mais sombrias a cada capítulo (e é válido citar que o restante desse parágrafo tem spoilers): com o retorno físico de Lord Voldemort (Ralph Fiennes), a obra ganha uma essência dark que adentra a narrativa de modo abrupto, mas acaba por ser uma escolha consciente e que potencializa o peso drástico da situação. Da morte de Cedric até o breve confronto entre Harry e o seu nêmesis, a obra encerra de modo melancólico, já que as tentativas de impedir o retorno de Tom Riddle foram em vão e, com seu retorno físico, a urgência e o temor dos bruxos acaba por se intensificar cada vez mais, tal como a ligação que é criada entre Potter e Riddle e a desconfiança da veracidade de tal informação que seus colegas em Hogwarts começam a ter.
Finalizando de modo preocupante ao expor os perigos que irão atormentar os personagens nos capítulos posteriores, Harry Potter e o Cálice de Fogo, em sua essência primordial, é um curioso olhar da puberdade, desde os sentimentos fortes da adolescência até o grandiosismo em gestos triviais que reforçam o ápice das emoções ocasionadas por uma fase na qual pouco possuímos controle de nossos picos emocionais. Uma fala tola e mal-contextualizada pode carregar um peso inesperado, uma ação errada pode causar uma dor maior do que aparenta. E, quando olhamos para trás, vemos que eram dores frívolas, algo que, provavelmente, Harry, Rony e Hermione sentiram ao se encontrarem na situação mais desesperadora dessa jornada (Harry Potter 7.1 e 7.2, no caso), revisitando tais momentos e vendo como aqueles dramas eram superficiais comparado ao que enfrentam agora.