Especial Harry Potter - Parte 2
(Publicado originalmente em 2020 no site Vamos Falar de Cinema)
Harry Potter e a Ordem da Fênix
A entrada de David Yates na franquia foi consideravelmente problemática, já que é visível que Harry Potter e a Ordem da Fênix é o capítulo mais inexpressivo da franquia do jovem bruxo, muito pelo fato de lidar com as ideias da premissa de maneira bem dispersa. Há diversos núcleos de importância dentro da progressão narrativa, mas o diretor — provavelmente ainda inseguro de como poderia comandar uma franquia que caminhava bem — acaba por configurar a experiência como uma série de bons momentos espalhados em uma falta de coesão e equilíbrio para tratar dos mais diversos assuntos e elementos que apresenta — e mais curioso é perceber como o diretor já soube encontrar uma abordagem mais balanceada no filme seguinte, O Enigma do Príncipe.
Um dos elementos narrativos que despertam interesse é tudo que circunda a figura de Dolores Umbridge (Imelda Staunton) e o que a personagem faz em Hogwarts: todo o núcleo que envolve a “ditadura colegial” que ela instaura no colégio, a rebelião dos alunos, até o que envolve o “Dumbledore’s Army” é bem mais superficial — e, no caso desse último, apressado — do que aparenta, desperdiçando uma oportunidade em exercer um forte comentário social sobre a atuação política dos seguidores de Voldemort e se focando em funcionais segmentos de suspense que Yates até sabe como desenvolver o clima de apreensão, mas que funcionam mais como momentos isolados do que em conjunto. Outro arco que poderia ser melhor concebido por Yates é a ligação mental entre Harry (Radcliffe) e Voldemort (Fiennes), que pouco alcança a complexidade dramática que aparenta, mas gera segmentos interessantes que operam de modo igualmente isolado.
Então, como ficou perceptível, esse é um capítulo que sobrevive de momentos isolados que carregam uma exploração dramática forte — algo que Yates soube trabalhar nos três capítulos posteriores — , mas se perde ao ser visto como um todo, aparentando ser mais um capítulo de aquecimento para os três últimos, um filme “episódico” que ainda consegue trazer elementos que criam um bom terreno para a(s) sequência(s). Até o conceito da Ordem da Fênix que nomeia a obra é trabalhado de modo apressado e restrito apenas aos extremos da projeção, no primeiro e último ato, na qual confrontam os comensais da morte. Outro demérito é a articulação de Yates, que trabalha bem o clima sombrio, mas pouco se desafia em comparação aos capítulos posteriores — e mesmo que ainda seja problemático, faz sentido, já que o realizador ainda estava se adaptando ao clima da franquia — investindo em uma decupagem dos planos básica e pouco expressiva para seu trabalho aqui, algo que seria corrigido posteriormente, especialmente com relação a sua articulação dramática em Harry Potter 7.1.
Funcionando entre virtudes e defeitos igualmente proporcionais, Harry Potter e a Ordem da Fênix é o capítulo mais frágil da saga principal por lidar com seus elementos narrativos de modo disperso e com pouca personalidade, fazendo desse, um capítulo simplório demais em linguagem e que marca através de segmentos que funcionam mais de forma isolada na progressão narrativa. Contudo, ainda é um bom entretenimento que sabe divertir mesmo que explore seus potenciais sem muita profundidade, sejam eles socialmente relevantes ou dramaticamente essenciais dentro do avanço da jornada.
Harry Potter e o Enigma do Príncipe
Enquanto a insegurança de David Yates como diretor fez de Harry Potter e A Ordem da Fênix uma obra dispersa e sem um foco narrativo e dramático, aqui em O Enigma do Príncipe, o diretor demonstra já estar melhor habituado com a mitologia daquele universo e explora cada elemento decisivo desse antepenúltimo capítulo com um balanceamento adequado. É um filme de equilíbrios que consegue explorar de forma simultânea cada aspecto narrativo, jamais prejudicando o tom imposto pela produção ou fazendo com que um elemento atrapalhe diretamente o outro, criando assim um filme que, ao mesmo tempo que lida com uma essência fúnebre, é o mais comicamente eficaz da franquia.
Cada gag de humor em O Enigma do Príncipe é bem encaixada dentro da progressão narrativa, sem nunca prejudicar a essência dramática mais sombria do projeto, mas servindo como um bom descanso de toda a atmosfera niilista que circunda com mais intensidade essa sexta aventura de Harry (Radcliffe), Rony (Grint) e Hermione (Watson). De situações mais descontraídas até os eventos mais drásticos — chegando a um ponto catártico nessa exploração dramática — , Yates equilibra tudo em uma progressão que diverte, mas sem esquecer de como aquele universo não é mais a terra de deslumbre e inocência quando o protagonista entrou nele pela primeira vez oito anos atrás.
Aliás, é curioso exercitar essa comparação e ver como a atmosfera da narrativa foi cada vez mais ganhando contornos dramáticos e sombrios, evoluindo essa linguagem em cada um dos capítulos, se desvinculando de uma essência infanto-juvenil e desbravando tons mais drásticos das situações. Um amadurecimento que acompanha a maioridade de seus protagonistas, trabalhando assim seus conflitos internos e seus traumas do passado com uma veia mais madura, exercendo um peso nas situações que vem somente através do crescimento. A franquia Harry Potter no cinema lidou bem com os fundamentos dramáticos de seus personagens, mas em seus três últimos capítulos, tal abordagem chegou a uma catarse que acompanha a aproximação do conflito final entre Potter e Voldemort (Fiennes), elemento que a cada novo filme ganhava uma camada ainda maior.
Dentro dessa essência dramática amadurecida, há dois arcos que ganham um destaque maior: o primeiro é o conflito interno de Draco Malfoy (Tom Felton). Sempre explorado nos capítulos anteriores como uma figura assumidamente reprovável pela sua presença “nefasta”, ainda que atenuada ao arquétipo clássico do bully, em O Enigma do Príncipe, o personagem ganha uma exploração dramática que humaniza sua figura, olhando ele como um jovem confuso em uma situação que fugiu ao seu controle e que já não depende de sua escolha. Yates e Felton fazem de Malfoy mais do que somente um nêmesis, mas uma arma, um artifício dos planos de Voldemort. Nesse sentido, Yates poderia ter explorado melhor a dinâmica de relação entre Malfoy e Severo Snape (Alan Rickman), algo que é tratado na superfície e poderia criar uma dualidade interessante com outro foco dramático da projeção, presente na relação Harry e Albus Dumbledore (Michael Gambon).
A dinâmica dramática dos personagens tem um peso emocional maior nesse capítulo e é eficientemente bem articulada por Yates para fortalecer o impacto do desfecho, onde essa relação “aprendiz / mentor” ajuda a intensificar a sensação melancólica e sombria de catarse criada pelo diretor, construindo aquele que é um dos momentos mais emocionalmente arrebatadores da franquia. E, como mencionei anteriormente, essa dualidade entre as relações tem um contraste interessante em como Yates desenvolve essas dinâmicas de relacionamento dos aprendizes (Harry e Draco) e mentores (Dumbledore / Snape) até o instante na qual ambos os núcleos se chocam e acabam por culminar no clímax, onde a franquia mergulha, de modo definitivo, em um clima soturno de desesperança e temor pelo futuro do mundo mágico.
Interessante como, a cada filme, os realizadores trabalhavam a atmosfera visual de Hogwarts a modo que soassem cada vez mais sombria e obscura, explorando uma composição gráfica da escola que incite uma atmosfera cada vez mais sobrecarregada, algo que Yates e o cinematógrafo Bruno Delbonnel assume em definitivo ao compor o espaço sempre bem iluminado do colégio de magia com tons intensos de sépia e cinza que configuram esse clima que antecede bem o encerramento da franquia. Até o modo como o diretor usa as composições melancólicas da trilha de Nicholas Hooper para reforçar essa exploração gráfica fúnebre do mundo dos bruxos.
Encontrando espaço entre o fundamento dramático e as inúmeras saídas cômicas para trabalhar as dinâmicas românticas de Harry / Gina e Rony / Hermione, O Enigma do Príncipe é um filme equilibrado entre seus diversos aspectos narrativos, trabalhando todos com muita eficiência e explorando bem os terrenos para o desfecho dramaticamente poderoso e emocionalmente catártico que viriam posteriormente. Uma obra que compreende os caminhos trilhados anteriormente e entrega um produto final jocoso dentro de seu papel como entretenimento enquanto cria uma obra sensorialmente sombria e fundamentada em alicerces dramáticos poderosos.
Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1
A cada novo capítulo da franquia, Harry Potter mergulhava em um tom sombrio e amadurecido, a medida que seus protagonistas cresciam. E se os anteriores já carregavam um tom drástico, os minutos iniciais de As Relíquias da Morte: Parte 1 é a confirmação de que a inocência das aventuras infanto-juvenis de Harry (Radcliffe), Rony (Grint) e Hermione (Watson) se dissiparam completamente quando vemos os personagens em planos distantes que refletem a solidão de despedidas como Harry olhando seus tios irem embora e, provavelmente a mais dolorosa, Hermione vista em seu quarto minutos antes de remover de seus pais todas as memórias de sua existência em prol de manter a sua segurança.
Mesmo que a franquia já tivesse explorado a fantasia de seu universo através dessa ótica niilista e sombria, a primeira parte do grande clímax é o ápice dramático dessa abordagem, especialmente no que diz respeito ao âmbito dramático dos personagens. David Yates, tanto aqui como no filme seguinte, trabalha uma construção emocional através da força dos gestos, sejam eles em maior ou menor escala. É uma obra que é engrandecida pelos detalhes dramáticos sempre que Yates fecha o plano em seus personagens, procurando os minuciosos detalhes de suas reações para reforçar essa ideia.
Um bom exemplo nesse sentido é a sequência da reunião de Voldemort (Fiennes) com seus comensais, onde Yates procura três diferentes focos da situação, o primeiro sendo do próprio Tom Riddle, o segundo, Snape (Rickman) e o terceiro, a família Malfoy, em especial, Lucius (Jason Isaacs) que, o diretor faz questão de transmitir sua covardia em um momento-chave do segmento, onde Riddle pede a varinha de algum outro bruxo para confrontar Potter. O modo como Yates encena esse diálogo entre os personagens reforça o temor do personagem com relação a presença de Tom através de como o realizador decupa o instante através de um contra-plongée que captura tanto a presença de Riddle no espaço quanto o medo de Lucius em tremeliques com as mãos bem inseridos na performance de Isaacs para transmitir através do gesticular, o sentimento de Malfoy.
(E, ainda durante esse segmento, é curioso como, ao matar uma professora de Hogwarts, Yates escolha enfocar como reações principais, as de Draco (Tom Felton) e Snape, que processam o evento de formas diferenciadas — um de maneira explícita, outro de modo contido)
Dentro dessa exploração dramática dos gestos, outro momento de destaque é aquele que vemos Harry olhando, de modo relativamente saudosista, para o armário debaixo da escada onde dormia quando criança, revelando um sentimento melancólico de um tempo onde a inocência da infância lhe mantinha protegido contra as situações que hoje enfrenta. E tudo através de uma decupagem ágil ao, em certo momento, mostrar o personagem de costas e parado de frente ao cômodo, reforçando essa tristeza ao constatar que o passado não fora tão hostil quanto os tempos na qual vive. Curioso como Yates, dentro da composição desse capítulo, constrói a experiência através dessa abordagem dramática mais evidente do que seus momentos de exploração da fantasia, que trabalha aqui de modo pontual, mas sempre procurando uma exibição gráfica do uso da magia, como mostra na sequência da perseguição que não usa da escuridão da noite em prol de omitir o valor de entretenimento do segmento.
Outro ponto curioso dentro da composição sombria que Harry Potter 7.1 mergulha de cabeça é ver como os combates que, antes ainda carregavam um certo grau de inocência infanto-juvenil, aqui ganham um peso que reafirma uma periculosidade: não são golpes com uma intenção de desarmar somente, mas com o intuito de machucar e — no caso dos comensais — até matar o inimigo que está a frente. Essa abordagem dramática e drástica da narrativa talvez seja algo que não corresponda um apelo universal, já que a franquia lidou com esses aspectos, mas ainda diluídos em uma realização mais abrangente, que pouco se afundava dentro do soturno como esse capítulo faz. Yates, em conjunto ao cinematógrafo Eduardo Serra e ao compositor Alexandre Desplat, usa da fotografia e trilha para reforçar essa atmosfera desesperançosa no modo como registram os ambientes através de composições escuras, levemente banhadas pelo azul melancólico, quase sempre cobertas pelo frio dos espaços e, na maioria das vezes, filmada através de enquadramentos que isolam seus personagens nas locações.
Já Yates e Desplat usam de melodias melancólicas que são adequadas para transpôr o sentimento interno dos personagens com relação a situação. E por citar tal sentimento interno, é curioso como Yates usa do chamariz da franquia para construir o capítulo mais dramaticamente eficaz dentro dos oito filmes, pois, Harry Potter 7.1 rejeita muitos elementos de uma catarse para explorar os conflitos dramáticos de seus personagens dentro de uma atmosfera desoladora poderosa. E por isso o ato-central opta por uma longa pausa após retirar seus personagens do espaço urbano (o ministério, as ruas de Londres) e jogá-los no espaço florestal para explorar os dramas internos que sentem. De Rony e sua preocupação em ouvir no rádio más notícias relacionadas a sua família até o peso dos três ao fugirem dos comensais e o cansaço de toda a situação — algo que justifica bem os conflitos internos entre o trio em certo instante da projeção.
Dentro da exploração desse núcleo dramático, Yates aproveita para usar da sua abordagem dramática dos gestos em prol de potencializar tais conflitos: seja o uso de close-ups para capturar o frágil interior de seus personagens ou a decupagem de segmentos como a dança na qual Harry tenta alegrar Hermione após diversos momentos de dificuldade que enfrentaram, um gesto delicado que, aliado ao emprego do slow-motion como fundamento dramático, intensifica o peso emocional do momento e a dificuldade de seus personagens em tentarem encontrar respiros, fugas perante o peso do que está ocorrendo. Até a extensão de todo o segundo ato acaba por desempenhar um papel importante por transmitir a desolação e melancolia dos personagens ao espectador, algo que o diretor faz ao usar planos abertos que isolam o trio até em ambientes internos.
Onde o segundo ato desaponta pelo compasso narrativo mais contemplativo e dramaticamente poderoso, o clímax na casa seja algo mais estimulante em certo nível, já que explora a fantasia e o tom sombrio de modo mais estimulante, jamais destoando da abordagem escolhida para o segundo ato, mas realizando o que foi executado no ato inicial ao misturar o entretenimento fantasioso da magia a uma exploração que nunca despreza a força do componente drástico do drama e o tom soturno previamente estabelecido, como fica nítido no segmento onde acompanhamos Bellatrix Lestrange (Helena Bonham Carter) torturando Hermione, na qual Yates pouco revela de modo explícito, mas trabalha o desconforto de modo auditivo quando escutamos os gritos de dor desesperados da jovem.
Cumprindo seu papel no final ao preparar um gancho para o filme seguinte, Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1 é um filme de muitas coragens: se aprofunda em um tom dramático que carrega um peso emocional forte, explora os conflitos de seus personagens com eficiência, é melancólico em sua abordagem e joga seus personagens em um clima de niilismo que afugenta qualquer esperança de um final feliz, ainda que Harry, Rony e Hermione não tenham desistido tão facilmente de confrontar Voldemort e seus comensais da morte. Pensando nisso, o plano que melhor reflete esse filme e seu tom em comparação aos primeiros capítulos da franquia é aquele em que vemos Hermione enquadrada em primeiro plano, com as mãos cobertas por sangue e realizando feitiços de proteção para criar um escudo ao redor dos personagens. Um momento simples, mas que reforça o peso do tempo e a situação desesperadora na qual vemos o trio de amigos.
Tudo através de um simples, porém emocionalmente poderoso, gesto.
Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2
Enquanto Harry Potter 7.1 se focava em explorar os gestos dramáticos em uma escala diminuída, restrita as interações específicas de alguns personagens, nada mais adequado que As Relíquias da Morte: Parte 2 seguisse o mesmo caminho, mas através de uma oscilação bem empregada de uma escala micro e macro dessa concepção dramática. Yates reconhece a importância do que está em jogo e trabalha ambas as escalas do conflito para criar um grande clímax de duas horas onde deposita a força emocional na maneira como explora esses pequenos e grandes gestos entre seus personagens.
O filme abre, de certo modo, com essa lógica dramática da troca de escala ao mostrar o colégio de Hogwarts através de um plano aberto estático onde vislumbramos a escola cercada por dementadores e, logo em seguida, vemos Snape (Rickman), agora diretor do local, em um plano que usa a contra-luz para mostrá-lo observando a chegada dos alunos, enquadramento que é logo substituído por um close-up onde vemos em seu olhar e na maneira como Yates articula a atmosfera, toda a desesperança e niilismo que circunda esse mundo — e bacana como o diretor ao lado do compositor Alexandre Desplat, completam sonoramente o instante ao inserir a faixa Lily’s Theme para reforçar o impacto audiovisual do segmento.
Toda a decupagem de Yates em Harry Potter 7.2 segue essa dualidade entre o macro e o micro, explorando o peso dramático de modo amplo — as mortes na batalha, o(s) ataque(s) a Hogwarts — , mas reconhecendo a força emocional dos pequenos momentos dentro do conflito, seja ele um gesto de ajuda a um personagem como Harry (Radcliffe) faz a Malfoy (Felton) ou um beijo premeditado durante os sete filmes anteriores, que, no caso, é a consolidação definitiva da relação entre Rony (Grint) e Hermione (Watson). Enquanto o capítulo anterior explorava o cansaço de seus personagens através dessa composição dos gestos, esse desfecho vai para um apelo mais coletivo, ao explorar essa mesma concepção emocional a partir de uma chave mais abrangente, onde os atos tem uma responsabilidade maior. Um sacrifício, por exemplo, carrega uma importância muito maior.
Um dos momentos que reforça isso é o discurso de Neville (Matthew Lewis) em frente a Voldemort (Fiennes) e seus comensais: todo o modo como Yates decupa o momento até a intensidade emocional crescente que o diretor e Lewis inserem a Neville reforça o peso do que seria um possível sacrifício do personagem. O gesto do personagem acaba por ter uma importância coletiva, em uma escala maior. Yates também usa os gestos para criar uma força saudosista ao ver reencontros, onde abraços, olhares, pequenos detalhes, acabam exercendo um peso maior ao relembrarmos a jornada até onde ela chegou. O retorno de Potter a escola acaba por lidar bastante com essa ideia de um impacto através do que havia sido fundamentado nos capítulos anteriores.
Pensando dentro dessa exploração de Yates, outro momento interessante é a destruição do escudo de proteção a Hogwarts, na qual a escala grandiosa do evento é vista através do micro ao enfocar diversos personagens vislumbrando a destruição, capturando suas reações de modo eficaz, usando de close-ups para registrar os seus gestos de preocupação e temor pelo que virá a seguir — ainda nessa sequência, Yates cria uma rima belíssima entre o gesto dos personagens do David Thewlis e Natalia Tena, na qual tentam agarrar as mãos um do outro, algo que ressoa em outro breve instante após o final da primeira batalha.
Diferentemente do que o diretor procurou fazer com essa abordagem gestual anteriormente, esse capítulo possui uma força emocional mais relacionável em comparação ao 7.1, ainda que problematicamente imediata, algo que retira o peso de determinadas perdas, tais como vemos em um momento específico na qual acompanhamos os resultados catastróficos do desfecho da primeira batalha. Compreensível que o impacto seja mais para transmitir o peso nos ombros do protagonista, mas ainda possui o impacto reduzido, já que a narrativa não permite que tais eventos sejam processados de maneira paciente. Enquanto o 7.1 usa bem as 2h e 20min para explorar os conflitos do trio principal, esse desfecho se beneficiaria de uma certa extensão para conseguir trabalhar a sensibilidade de algumas mortes e outros pontos dramáticos, como o passado de Snape.
Todavia, o plano que melhor define Harry Potter 7.2 é a saída dos Malfoy da batalha final: embora seja, em sua estrutura, um plano simples, a maneira como Yates concebe a mise-en-scéne do enquadramento acaba por carregar uma força ainda maior ao estudar seu contexto. No enquadramento, vemos Draco e sua mãe, Narcissa (Helen McCrory) fugindo, mais desfocados do plano, por estarem mais distantes dele. E, em primeiro plano, vemos o rosto de Lucius (Jason Isaacs). Toda a base dele é objetiva, mas, ao compreendermos a trajetória de seus personagens, tal momento se revela, surpreendentemente, como um dos ápices da projeção.
Draco sempre teve uma relação paternal complicada, mesmo que isso jamais fosse mostrado. Raramente víamos o personagem ao lado de Lucius, seu pai. Mais do que um “antagonista”, Draco era um produto de seu meio. Um filho que jamais quis estar do lado que acabou assumindo. Boa parte de sua filiação ao “exército” de Voldemort vem da influência paternal. Já Narcissa, assim como Draco, jamais parecia compactuar com todos aqueles atos executados por Tom Riddle, algo que fica reforçado no instante na qual ela mente sobre uma informação importante a respeito de Harry durante o segmento da floresta. Por outro lado, temos Lucius que, a medida que a franquia avançava, se revelou como um personagem covarde, que temia a presença de Riddle, mas se sentia dominante quando o mesmo não estava presente.
Reconhecendo toda a trajetória dos personagens, o plano acaba ganhando um valor dramático ainda maior: no fundo, vemos Draco e Narcissa juntos, ambos que fogem da batalha por não compactuarem diretamente com tudo aquilo que irá ocorrer. Já Lucius, não: sua fuga da batalha é puramente pela covardia e medo em arcar com as responsabilidades dos atos que cometeu enquanto era um comensal da morte. E por isso Yates o posiciona mais proximamente ao plano, para que assim venhamos a compreender, através da sua reação, os reais motivos que o fazem abandonar o conflito.
Seguindo fiel a sua proposta até o final, é belíssimo ver como, mesmo dentro de um ambiente grandioso e escala do evento idem, Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 encerra o confronto entre Potter e Riddle de forma micro, ao focar o gesto final em algo menos grandioso, escolha que seria a mais adequada ou a primeira escolhida dentro de uma obra como essa, cujo apelo de um encerramento faria sentido. Contudo, mesmo sabendo que poderia ser classificado como anti-climático, Yates fez a decisão mais correta dentro da abordagem dramática que estabeleceu. E por isso que a vitória do conflito vem através de algo tão pequeno (a morte da cobra), mas causando um efeito muito mais importante do que se esperava.
Encerrando de modo completamente agridoce em seus minutos finais, As Relíquias da Morte: Parte 2 fecha os seus arcos centrais em um epílogo que, ao se focar anos depois na vida dos personagens, agora definitivamente amadurecidos e assumindo uma posição paterna, pode soar distante e até pouco envolvente a nível emocional. Mas, tal como a morte de Voldemort, Yates reconheceu isso e escolheu fazer o desfecho de modo que correspondesse a sua abordagem: através de pequenos olhares que, mesmo sutis, são mais dramaticamente poderosos do que gestos explícitos.
E, no final, nos despedimos daqueles personagens. Mas, junto a eles, olhando para eles. Com eles.