O Lobo de Wall Street

cemitério do esplendor
3 min readJan 26, 2024

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Por: João Marco

Em Os Bons Companheiros, de 1990 e também orquestrado por Martin Scorsese com base na história real de Henry Hill, vemos um olhar do diretor apoiado nesse contraste com o glamour de um objetivo conquistado e o resultado final de uma vida guiada por regalias e encharcada de brilho e encanto. Ainda que sem o devido peso, é o cerne da narrativa enfocar nessa questão de ascensão e queda da jornada de Henry, que desde jovem sonhava em entrar para a máfia sem saber o ambiente sem fim que havia se estabelecido. Sua resistência em se manter fiel a sua “família” se dissipa no momento em que opta por escolher entre ele e os demais. E o seu castigo final é viver uma vida comum e, na sua concepção, enfadonha. O cotidiano é a pior maldição na qual Henry e Jordan Belfort, ex-corretor da bolsa de valores americana, compartilham. O luxo de uma vida idealizada é mais poderoso que a noção de existir em uma realidade mundana que o próprio Belfort ironiza quando, em certo ponto, recomenda a aqueles que desaprovam os seus métodos procurarem empregos no McDonald’s como uma espécie de ridicularização do trivial.

Tanto Henry quanto Jordan vivem uma realidade de excessos que se amontoam, mas em ambientes distintos: enquanto Hill encontrou seu espaço de pertencimento e, de fato, uma família ao lado de Tommy e Jimmy no mundo da máfia, o protagonista de O Lobo de Wall Street frauda ações como método para enriquecer. Tudo isso sugere um conteúdo temático poderoso para ser explorado com a devida precisão pelo diretor. Mas, se existe algo que tanto Goodfellas quanto esse filme compreendem é a incapacidade de sobressaírem o potencial que escondem em algum lugar de si. Enquanto o primeiro era uma espécie de “lugar comum” dentro de um cinema de gênero das quais as mesmas temáticas já foram exploradas de maneiras mais atrativas (até pelo próprio Scorsese), aqui em O Lobo de Wall Street, a obra se quebra pela sua dispersão sensorial.

As vezes, soa como uma gigantesca colagem de cenas e artifícios linguísticos que operam funcionalmente dentro de um olhar isolado (ou seja, cena por cena), mas que enfraquecem no todo ao serem misturados de maneira indigesta. Se era para reproduzir o caos da realidade de Belfort, o efeito causado é apenas o de exaustão, já que boa parte dos recursos se esgotam de imediato na primeira hora de projeção, guiando o restante da obra dentro de sets que não parecem empurrar a narrativa adiante, mas travá-la em eventos cíclicos estafantes que perdem qualquer impacto por serem meras reproduções de outros momentos da obra. O que ganha aqui são, como de costume, os momentos onde Scorsese puxa o freio de mão e opera em uma chave mais paciente, como em boa parte das cenas envolvendo os interrogatórios de Belfort como FBI ou até segmentos pontuais como a discussão desconcertante de Jordan com sua esposa, Naomi.

Que essa proposta sensorial mais “agitada” era a idealização de Scorsese ou não é algo indiferente a experiência e os efeitos que sua articulação vai exercer em cada um dos espectadores. O que me desagrada e me impede de apreciar totalmente O Lobo de Wall Street (ainda que goste do filme) é como, aos poucos, a obra perde minha atenção em meio ao carnaval de eventos, drogas, sexo e berros. Não que isso signifique exigir algo que a obra jamais pede, mas observar o que ela faz e como esse efeito do que está em cena ressoou na minha posição de expectador. E no final, foi uma caminhada de 3 horas movida por momentos inspirados e artifícios criativos unidos de modo embaralhado e, por consequência, despertando minha exaustão e desinteresse gradativo pela obra.

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