O poder da sutileza em Orgulho e Preconceito

cemitério do esplendor
4 min readJan 26, 2024

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Por: João Marco

(Publicado originalmente em 2020)

Após Jane Bennet (Rosamund Pike) chegar na casa dos Bingley em meio a uma chuva e contrair um resfriado que faz com que permaneça na residência de Charles (Simon Woods) e Caroline (Kelly Reilly), a família Bennet decide buscar a mais velha das cinco filhas e, durante a sua saída, durante um breve segmento de despedida, Mr. Darcy (Matthew Macfayden) segura a mão de Elizabeth (Keira Knightley) em um gesto simples, em prol de ajudar a moça a subir na carruagem, mas poderoso na forma como Joe Wright encena esse pequeno momento: o silêncio contemplativo e a fluidez de cada enquadramento faz daquele minucioso detalhe mais do que somente um gesto objetivo de auxílio, mas um depoimento visual de sentimentos omitidos.

Tanto é que, ao final da sequência, o plano que se segue mostra Darcy forçando a mão em um delicado gesticular de negação, como se buscasse renegar algo que está despertando em seu íntimo, indo contra seu coração e pensando apenas com o preconceito que o cerca.

Contudo, esse plano na mão de Darcy cria uma rima visual com outro momento peculiar do filme: após declarar seus sentimentos a jovem Elizabeth e depois de outros eventos que afetam diretamente a relação do casal, após uma conversa, vemos Elizabeth saindo as pressas de um ambiente e o plano que se segue é outro na mão de Darcy, todavia, o personagem não força ela em prol de omitir algo interno, dessa vez ele aparece com a mão solta, em um gesto de abertura, onde seu preconceito se dissipou completamente e agora só lhe resta o amor incondicional que sente pela jovem Bennet.

O paralelo que existem entre os dois enquadramentos é o que reforça o poder dramático das sutilezas na direção de Wright, que procura potencializar cada evento através dos mais minuciosos detalhes que cercam as interações dos personagens. Mais do que simplesmente ilustrar o livro da britânica Jane Austen, o diretor procura intensificar sentimentos e emoções através de um formalismo puramente delicado, onde o refinado ajuda a transmitir sutilmente a carga dramática da história.

Toda a construção do plano parte desses detalhes sutis em prol de reforçar os sentimentos de seus personagens: a arrogância de Darcy e seus elegantes embates verbais com a perspicácia da jovem Elizabeth são calcados mais nos olhares vertiginosos que trocam entre as palavras do que por aquilo que dizem um ao outro, uma conversa emocional e íntima de Lizzie com sua irmã, Jane, debaixo dos cobertores é engrandecida pelos gestos faciais de Knightley e Pike (inclusive, é curioso como Wright faz dos belíssimos olhos grandes de Rosamund algo crucial para que o espectador decifre suas emoções mais profundas). Tudo ganha um peso maior, um toque, um movimento corporal, um ato simples, todas essas ações menores são engrandecidas pelo modo que Wright captura cada um desses momentos.

O melhor exemplo é a sequência da chuva, onde Elizabeth descobre uma ação cometida por Darcy e que afeta diretamente sua família: a forma como Wright captura os atores é curiosa, já que ambos aparecem distantes um do outro naquele curto espaço, mas aos poucos, a medida que a situação ganha tons emocionais cada vez mais poderosos, os atores se aproximam cada vez mais, o plano fica ainda mais perto de seus rostos, captura de maneira grandiosa a potência emocional da conversa, reforça a emoção presente naquela troca de diálogos e potencializa a derradeira frase que encerra a discussão entre o casal. A encenação de Wright faz com que a aproximação dos corpos no cenário (um ato sutil e até imperceptível) ganhe contornos dramáticos que o tornam essencial para a concretização audiovisual do evento.

Outro momento de destaque é a sequência do baile, onde os deslocamentos da câmera procuram capturar os atos minuciosos dos personagens: do esnobismo da Srta. Bennet ao choro de Mary (Talulah Riley), da fisicalidade cômica de Sr. Collins (Tom Hollander) chegando a contemplação de Elizabeth, do lado de fora da festa. É curioso ver como Wright soube inserir um melodrama bem discreto na maneira como estiliza determinadas sequências, um destaque válido seria o encerramento, onde o diretor articula todos os elementos para propor uma aura poética, desde Darcy vindo da neblina ao filtro azulado que é obliterado pela iluminação do sol no clímax da sequência. A inserção de tons frios e quentes na composição dos planos ajudam a compôr essa unificação entre um formalismo sutil e um tom de melodrama que é implícito nessa abordagem particular da linguagem.

Em síntese, Orgulho e Preconceito procura engrandecer os pequenos detalhes, os gestos discretos, os sentimentos implícitos no plano que captura um ato trivial, mas usa ele para potencializar o seu viés emocional e aproveita para inserir um tom melodramático bem implícito na maneira como utiliza as cores e luzes na mise-en-scène. Um filme onde uma revelação importante é oferecida através de um movimento sutil (o abaixar de uma carta) e de imagens isoladas que revelam mais do que palavras. Sem dúvidas, um filme que reconhece o poder de sua experiência audiovisual e usa as possibilidades de maneira ilimitada.

Uma obra que compreende que sua força não reside no que é dito, mas naquilo que é mostrado. Que entende o poder da imagem.

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