Oppenheimer
Por: João Marco
Em certo momento de Oppenheimer, o militar Leslie Groves (Matt Damon) faz menção a uma série de características pejorativas relacionada ao protagonista enquanto conversa com ele, classifica-o com inúmeros deméritos e, quando esse curto instante encerra, fui vasculhar o que tinha acabado de ver até essa linha de diálogo e procurei por momentos no filme que evidenciassem cada uma das atribuições dadas a ele. Como era de se esperar, tampouco essas acusações encontram respaldo narrativo.
E iniciei essa review com isso por um motivo simples: além de reforçar a natureza estéril da sua narrativa, Oppenheimer pode até cobiçar ser grandioso ou alarmante ou até mesmo politicamente preocupado, só que ao final, ele nunca abandona o que realmente é: um filme de Christopher Nolan.
Como tal, é desprezível no mesmo nível que as obras do cineasta sempre foram, mas sempre com um verniz "autoral" que nada mais é do que a reprodução enfadonha de um academicismo técnico tão mecânico que a impressão do espectador é acompanhar uma história real personificada por... robôs.
Sem a mínima competência pra administrar emoções, Nolan tenta fazer com que os personagens pragmáticos de Oppenheimer vez ou outra lembrem que deveriam ser humanos, mas quando o fazem, a sensação é que seria melhor terem esquecido, justamente pelo fato do diretor tampouco saber administrar tais sentimentos, sempre mantendo seus planos meticulosos, seu requinte estético enjoativo que transforma até o menor dos gestos em um cálculo matemático exaustivo.
Sobra até pra nudez, que almeja ser uma "cena de sexo" mas é tão mecânica que, em certo ponto, os personagens param pra folhear um livro - algo tão patético que se torna cômico, tal qual como um certo instante de "fúria" estrelado por Robert Downey Jr.
A argumentação em defesa de Oppenheimer pode até ser que "o foco não era esse" e, mesmo com esse ponto, o filme de Nolan ainda seria desprezível em trazer pro espetáculo do IMAX uma circunstância desumana quanto a criação e o uso das bombas atômicas nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagazaki e sem qualquer escrúpulo para criar sequências como a celebração pós-teste (destaque pro quadro onde o físico é visto em comemoração atrás de uma bandeira estadunidense) para, logo após, fingir um horror nas cenas da notícia dos ataques e na conversa de Oppenheimer com Harry S. Truman (Gary Oldman).
Diga-se de passagem, a melhor cena de Oppenheimer é a discussão fria sobre quais cidades seriam o alvo, onde a meticulosidade calculista de Nolan parece encontrar um espaço ao representar homens impiedosos e insensíveis vociferando ideias desumanas sem o menor remorso. Uma pena que ele não tenha buscado isso no restante da projeção, fazendo de sua nova investida para a temporada de premiações mais um show-off cinematográfico sem coração e, portanto, sem vida.