Succession: Terceira Temporada (HBO, 2021) | Crítica

cemitério do esplendor
5 min readMay 1, 2023

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Por: João Marco

A empatia é, por definição técnica, a “capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente” ou, em outras palavras, o sentimento de se projetar a felicidade, melancolia, indignação ou qualquer outra sensação experimentada pelo próximo, seja ele quem for. Contudo, tal comoção interna reflete uma série de fatores, entre eles a afinidade e afetuosidade que construímos com aqueles em cena, algo que, no audiovisual é possível essa emoção se manifestar com figuras das quais desprezamos por algum aspecto ou por todos. Desde o início de Succession, criei uma profunda aversão aos pensamentos ultrapassados e pela visão de mundo retrógada vociferada por Connor (Alan Ruck), o filho mais velho da família Roy. Todavia, foi uma surpresa até mesmo para mim quando, ao ver sua lamentação se findar com uma alegria contagiante ao receber um “sim” ao pedido de casamento feito a Willa (Justine Lupe), minha única reação ao instante foi um sorriso.

E isso nem é o centro do terceiro ano de Succession.

Afinal, a obra de Jesse Armstrong chega ao ápice ao estabelecer uma narrativa de guerra midiática, onde o magnata - e patriarca - Logan Roy (Brian Cox) confronta a decisão tomada pelo filho do meio, Kendall (Jeremy Strong), ao rejeitar a culpa pelo escândalo dos cruzeiros e escolhe jogar o pai em meio a tempestade que circunda a Waystar Royco e seus problemas já crescentes, desde o conflito com Sandy e Stewy até o próprio evento que diz respeito aos abusos ocorridos dentro dos cruzeiros, uma das partes do império construído a base do sangue e do sofrimento, tal como acusa o irmão de Logan, Ewan (James Crowmell) durante o primeiro ano do seriado. Agora, os lados são delineados e o clima é de guerra, estabelecido de imediato no primeiro episódio que, inicia após o pronunciamento e já intercala com urgência para mostrar como as duas vertentes estão processando o ocorrido. Logicamente, os filhos de Logan se encontram ao lado do pai, enquanto Ken recruta aliados para a sua “revolução” contra a soberania de sua figura paterna.

Na verdade, chamar de “guerra” é uma forma mais popular de comentar que o terceiro ano da história de poder e família de Armstrong é um incessante jogo de xadrez, agora com efeitos mais drásticos e decisivos do que as partidas anteriores. A busca por apoio e aliados é registrada com uma mistura de desespero e classe que reflete a angústia de se manter no controle da informação (e, por consequência, acima de todos) e a necessidade de permanecer com a imagem pública límpida, seja as investidas de Kendall com o twitter até a propagação midiática do evento, tanto pela ATN, o canal de notícias da Waystar, como por outros meios, revelado no episódio em que Ken decide participar de um programa humorístico com o intuito de alavancar a sua figura pública acima da degradação constante em torno da empresa- algo que a série reafirma ao intercalar a tragédia da ideia do personagem com a chegada do FBI que investiga as instalações da companhia.

Toda a energia do terceiro ano é propositadamente desperdiçada nos primeiros cinco episódios, utilizando todo o arsenal cênico do seriado para corroborar com o tom dramático: a montagem já essencialmente corrida sempre que a obra se encontrava em algum momento decisivo, aqui, tem uma urgência ainda mais cataclísmica, intercalando as movimentações de Kendall em ligações para irmã, Shioban (Sarah Snook) e Frank (Peter Friedman) com as estratégias da equipe de Logan para reverter a situação, seja a escolha apressada de um CEO que substitua o magnata em sua retirada momentânea até as decisões empresariais para reverter a imagem pública da situação. Nesse sentido, a dinâmica imagética do seriado se torna ainda mais próxima dos seus personagens que, repleto de contornos, lidam com as circunstâncias atuais de acordo com suas ambições íntimas ou cooperativas, algo que estabelece vínculos entre algumas das peças centrais do tabuleiro, alguns deles já previamente estabelecidos, enquanto outros são completamente inéditos.

Dois arcos que integram essa ideia dos vínculos dramáticos estão ligados a Shiv, a única filha da família e que Sarah Snook encarna com uma determinação que a mantém firme até nas tempestades mais turbulentas. Armstrong e Snook enxergam a figura de poder da personagem ao sempre trabalhar de acordo com suas intenções exclusas; sua linha de raciocínio é uma constante incógnita e mesmo que os zooms e close-ups em seu rosto sejam arrebatadores, tampouco são o suficiente para desvendar as complexidades de uma figura que se revela obstinada e imponente sempre que está em cena, até mesmo nas manobras do irmão em chamá-la para o seu lado no tabuleiro. Complementando isso, temos a insolência de um Kieran Culkin desbocado e perturbado como Roman que, a cada passo narrativo, se fixa como uma personalidade desagradável e conturbada e a fragilidade de um Matthew Macfayden que faz dessa encarnação de Tom a mais frágil e insegura, seja com seu casamento ou em seu papel na empresa.

E é na fragilidade que reside a segunda metade do terceiro ano do seriado: a medida que a narrativa avança, o arco de Kendall se torna cada vez mais irrelevante, seja dentro das lutas pelo poder e influência da Waystar Royco ou no andamento da premissa, algo que se consolida enquanto a obra se aproxima de sua conclusão. É no season finale que Armstrong decide jogar as cartas na mesa e transformar em definitivo a história de glamour da família Roy em uma tragédia, na qual os três irmãos mais novos se veem desolados ao perceberem que o destino hierárquico agora é uma impossibilidade completa. E é nesse ponto que temos a imagem definitiva da temporada: Kendall, Shiv e Roman desesperados em meio a casas antigas, tendo o afeto fraternal para permanecerem fortes em meio ao que virá a seguir.

É nesse ponto que, se antes o ressentimento por cada um deles ou até mesmo o desprezo pela maioria era algo latente e inevitável de ser sentido, Armstrong mostra que, em meio a todos os deméritos, seus personagens são tridimensionais, são figuras que possuem mais do que uma linha única de personalidade. E isso se reflete quando os vemos em desespero, destroçados ao perceberem que não existe mais nada a ser feito. Mais do que uma obra sobre impérios e corridas pelo comando absoluto das engrenagens, Succession é um drama sobre figuras que são mais do que estereótipos fáceis, mas carregam consigo feridas complexas de serem resolvidas. Por isso mesmo que é assustador perceber que, ainda se revelando desprezível em sua persona, até mesmo uma figura como Roman Roy é capaz de demonstrar ternura ao ver Kendall em lágrimas.

Até alguém como Roman Roy é capaz de ter empatia.

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